HOJE A ARGENTINA CHORA POR SI MESMA

Dei e por enquanto mantenho um crédito de confiança no terceiro mandato presidencial de Lula, mas não tenho como ocultar minha preocupação. Senti-me respaldado para dizer alguma coisa ao ler, hoje, dois excelentes artigos, um de Luiz Carlos Azedo, no Correio Braziliense, e um de Fábio Dantas, no blog do Gilvan. Ambos preocupados com o teor possivelmente precoce de suas advertências, foram ao ponto. Lembrando as primeiras semanas de 1964, Azedo foi comedido. Deu como razoáveis no conteúdo as reformas propostas por Lula, mas advertiu contra seu volume - areia demais para qualquer caminhãozinho, inclusive para o de Lula, como o foi em 1964 para o de Jango.

Fábio Dantas no blog do Gilvan, foi sábio: “assumo eventuais exageros, mas no momento vejo mais perigo em silêncios do que naqueles. Exageros, nesse caso, são sequelas de vacinas buscadas contra um futuro arrependimento por coisas não ditas”. Isso aí: futuro arrependimento por coisas não ditas. 

Consta que Janjan, a esposa de Lula, teria declarado admiração por Evita Perón. De fato, como pode alguém não se comover com a figura de Evita se despedindo da multidão ali à frente, num mar de lágrimas? Compreendo, se for isso, a identificação emocional de Janjan com Evita, mas me pergunto se ela, Janjan, teve chance de estudar a história argentina. Não chores por mim, Argentina! Melhor ver a cena real, em preto e branco, disponível no Utube, que a do esplendor colorido de Madona. Os argentinos choraram muito, choraram por Evita, e hoje choram pelo próprio país, outrora riquíssimo,  despido de seu antigo orgulho, afundado pelo próprio peronismo nesse outro mar de lágrimas que é nossa triste América Latina. 

Deixemos, porém, de lado os símbolos e recordemos a história política real.

Em 1930, um golpe de Estado conduzido por José Félix Uriburu, um  general claramente simpático a Mussolini, derrubou o presidente Hipólito Yrigóien, deflagrando a destruição do que restava da brilhante  estirpe política que dirigira a país durante a maior parte do século XIX, na qual se destacaram os presidentes Domingos Faustino Sarmiento  (1868-74) e Julio Argentino Roca (1880-86). Treze anos depois, uma junta militar que incluía o então coronel, futuro “comandante-general  Juan Domingo Perón assume o poder, aprofundando o desgoverno. Em 1946, com o poder presidencial nas mãos,  escorado no crescente movimento peronista e na prodigiosa atuação simbólica de Evita,  Perón implanta  uma ditadura sem rebuços, dando o empurrão que faltava para mergulhar a Argentina  no poço sem fundo do qual ela  nunca mais conseguiu sair. 

O Brasil teve melhor sorte. A ditadura Vargas (1937-45) e os 21 anos de governos militares (1964-1985) não quebraram a espinha dorsal do  país, que bem ou mal se fortalecera desde as primeiras décadas da Proclamação da República (1889), devendo-se neste ponto ressaltar os primórdios da industrialização, cujo primeiro marco foi a implantação em Volta Redonda da Companhia  Siderúrgica Nacional. 

Mas daí a dizer, como frequentemente se faz, que temos “instituições robustas”, vai uma grande distância. Elas não têm toda essa robustez que se apregoa. Pode (ou não) resistir a solavancos  provocados pelo “povo”, povo agora dividido em dezenas de entidades “identitárias” estimuladas de cima para baixo pelo simbolismo do poder populista. Este incita os destituídos a apresentarem suas demandas. Eles o farão, com certeza. O problema é que não há como satisfazê-las com uma economia estagnada  e afugentando investimentos.

Texto de Bolívar Lamounier. 

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