O QUE NOS UNE, O QUE NOS SEPARA: O BRASIL DE 2022

Os valores da sociedade brasileira vêm sofrendo uma acentuada mudança, em sua maior parte devido à crise econômica, política e epidemiológica sem precedentes que nosso país ora atravessa. Esse fenômeno pode ser sentido por qualquer observador atento, mas até agora não foi objeto de pesquisas abrangentes e rigorosas. As pesquisas de opinião convencionais concentram-se quase totalmente na temática eleitoral, e essa será com certeza a tendência até o pleito de 2022. Continuaremos no escuro no tocante  às mudanças que se vêm dando no plano psicossocial, vale dizer, no que se refere à nova configuração de valores que está se constituindo em nosso país. 

Esse trabalho que, infelizmente, não está sendo feito, poderia se inspirar na pesquisa intitulada “A Classe Média Brasileira: Valores, Ambições e Ideais de Sociedade”, realizado em 2010  por Bolívar Lamounier e pelo meu saudoso amigo Amaury de Souza, falecido em 2012.  Os resultados, publicados em livro pela editora Elsevier, foram muito bem recebidos - até por sua originalidade -, pela imprensa e pelo público especializado. Embora o título daquela pesquisa tenha dado ênfase à esfera dos valores, na verdade não foi bem isso o que aconteceu, em razão das circunstâncias vigentes naquele período. Naquele momento, como se recorda, o Brasil estava tomado por um otimismo exagerado, a ponto de a publicidade governamental martelar a tecla de que nosso país estaria a um passo de se tornar “um país de Primeiro Mundo”, com uma “nova classe média, pujante e numerosa”. Naquele contexto, o que fizemos foi questionar a sustentabilidade a médio prazo do aumento da mobilidade social vertical que de fato se verificava.  

Concentramos a pesquisa na aferição de duas condições. Para ser sustentável, a constituição de uma classe média numerosa dependeria, de cima para baixo, da continuidade por um longo período de altas taxas de crescimento econômico e, de baixo para cima, de um forte aumento da produtividade individual e do empreendedorismo, que por sua vez exigiram mais investimento dos indivíduos em sua própria qualificação, níveis mais elevados de escolaridade, mais ambição na disputa por empregos de boa qualidade, e assim por diante. Os dados colhidos na pesquisa levaram-nos, como é óbvio, a respostas negativas para ambas as questões. Se fôssemos repeti-la hoje, seria forçoso começar pela identificação de fatores de agravamento aterradores, entre os quais a recessão iniciada em 2016, a polarização política ensejada pela eleição presidencial  de 2018, a pandemia COVID19 e, indiretamente, uma perceptível queda no desempenho das instituições de governo, nos três Poderes.

Texto de Bolívar Lamounier. 

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