TRÊS NOTÁVEIS QUALIDADES BRASILEIRAS

O Barão de Itararé não escreveu, mas poderia ter escrito que um fato muito previsível tem alta chance de acontecer. É o que estamos vendo no momento. 

Assim que o Sérgio Moro começou a subir nas pesquisas, diversas baterias abriram fogo contra ele,  e o fogo, como o Barão teria dito, é inteiramente previsível. Tratam de associar a figura dele com a Jânio Quadros, de Fernando Collor e até com a de Bolsonaro. Querem pintá-lo como um dragão de Komodo, daqueles que botam fogo pelas narinas. Um sujeito obcecado com a ideia de punir todo mundo, culpados ou não, por qualquer razão, ou por razão nenhuma. 

E aqui – previsivelmente -, vêm-me à mente três das mais notáveis qualidades brasileiras. Primeiro, o fato de sermos o país da piada pronta, já ilustrado pelo parágrafo anterior. Segundo, uma qualidade que dispensa ilustrações: somos mesmo um país de otários. Adoramos entregar um Himalaia de impostos ao governo e nos esbaldamos de felicidade vendo como ele distribui aquela montanha de grana. 

Na esfera federal, comprando votos no Congresso e sofisticados aparelhos anti-auditivos, para não ouvir a expressão equilíbrio fiscal. Na estadual, provendo serviços educacionais e outros de uma qualidade tão alta que até sentimos culpa por pagar tão poucos impostos. E no plano municipal, inclusive nas cidades mais bem cuidadas do país, saímos a andar pela rua sempre com um largo sorriso no rosto, curtindo o doce balanço das ruas esburacadas e o deslumbrante espetáculo dos gramados repletos de garrafas e de objetos de plástico da mais variada natureza.  Eis aí uma verdade incontestável: ser otário é o caminho mais curto para a felicidade. 

Permitam-me agora algumas palavras sobre nossa terceira qualidade: a amnésia crônica. E aproveito para conectá-la com as baterias anti-Moro  que mencionei acima. Falo daquelas baterias que tentam atingi-lo pintando-o como um Robespierre tupiniquim, ansioso para prender e enforcar qualquer um, com um prazer ainda maior se esse qualquer um for inocente. 

Ora buelas, meus caros amigos e amigas! Façam-me o favor!

Sérgio Moro enfrentou a maior quadrilha que jamais se formou em nosso país. Acusem-no, se quiserem, de deslizes processuais, mas não tentem negar os fatos, por esse caminho vocês vão cair num ridículo atrás. Com sua reconhecida esperteza, Lula intermediou um ação entre amigos tendo, de um lado, meia dúzia de empreiteiros e, do outro, nossa gloriosa Petrobrás. Ressuscitou o nosso velho patrimonialismo, modernizou-o com tal vigor que os empreiteiros que o protagonizavam (?) até montaram um “departamento de operações estruturadas”, lembram-se? Aquela mancha de óleo (escrevo “óleo” porque sou bem educado) foi-se espraiando, espraiando, espraiando até reduzir a cacos toda a estrutura de partidos de que dispúnhamos, que não era grande coisa, tudo bem, mas o fato precisa ser lembrado por ser a melhor medida disponível do estrago que Lula et caterva aprontaram no Estado brasileiro. 

Ah, ia me esquecendo: outro feito notável de Lula foi colocar Dilma Rousseff na cadeira de honra do Conselho Deliberativo da Petrobrás, na qual ela permaneceu durante não sei quantos anos fazendo cara de paisagem. Ela não se assustou nem quando os acionistas norte-americanos nos puseram de joelhos, apresentando-nos uma fatura sem tamanho. Mas, justiça seja feita: os acionistas brasileiros não ficaram a ver navios. Foi-lhes reconhecido, como manda a lei, o direito de esbravejar à vontade. 

Voltemos à vaca fria. O culpado de tudo isso não foram Lula, Dilma e os Odebrechts da vida. Tampouco os juízes laxantes que ocupam cadeiras no Supremo Tribunal Federal. Foi o juiz Sérgio Moro. Ele, esse misto de Jânio Quadros, Fernando Collor e Bolsonaro que começa a marcar alguns pontinhos nas pesquisas de intenção de voto. Digam-me, caros amigos e amigas: além da piada pronta e de nossa eterna condição de otários, somos ou não somos o país da amnésia crônica ?    

Sérgio Moro mal começou sua campanha, está nos primórdios da organização, mas algumas coisas já afirmar, se não tivermos um surto bravo de amnésia. Em primeiro lugar, Moro é um democrata-liberal. Preza e respeita a democracia representativa, lamentando o estado em que a nossa se encontra, claro, exatamente como nós fazemos dia sim e dia não. 

Segundo, ela preza o Estado de Direito, mas sabe, como todos nós sabemos, que nossa legislação é uma verdadeira linha Maginot, arquitetada para proteger a corrupção. A começar pelo famigerado “trânsito em julgado”, que só poderá ser alterado se e quando convocarmos outra vez o poder constituinte originário, vale dizer, outra Constituinte, e se ela for um pouco mais lúcida do que o Congresso Constituinte de 1987-88. O estrago que a corrupção apronta nos nossos bolsos e o que ela faz para impedir-nos de retomar o crescimento econômico é, como no verso final daquele conhecido bolero: “só sabe Deus”. 

Segundo, Moro tentou combater a corrupção, mas nunca perdeu de vista que o bicho é muito maior. Onde a maioria das nossas elites vê uma lagartixa, Moro e uma parcela da nossa classe política e dos analistas acadêmicos sabe que se trata de  um gigantesco crocodilo. Trata-se do patrimonialismo e do corporativismo,  que impedirão nosso desenvolvimento e perpetuarão as desigualdades sociais até o final dos tempos, a menos que façamos uma enérgica reforma, fortalecendo a economia de mercado. 

Por último, mas não menos importante, embora em economia Moro seja um liberal convicto, ele está cansado de saber que o Brasil precisa de programas sociais de vulto, para garantir a sobrevivência dos desvalidos. Não para ganhar a eleição de 2022  a qualquer preço, que é, evidentemente, o objetivo de Jair Bolsonaro, mas para de fato começar a nos transformar num país menos injusto.

Texto de Bolívar Lamounier. 

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