OS LAÇOS DA PRAÇA

Sempre pensei que aquela praça era minha. Até aprisionei sua alma em meu coração. Tenho até a igrejinha velha pendurada em minha parede. Muitas vezes, uma saudade sem dono badala nos seus velhos sinos e eu escuto crianças antigas cantando à sombra da igreja.

Sempre pensei que aquela praça era minha. Meu coração entra pelas janelas, surpreende conversas de damas e coronéis. Meu olhar entra pelas portas modernas e, lá dentro, surpreende pianos e romances. Meu coração percorre salas antigas, onde mulheres tecem a vida e os amores nos pontos altos e baixos de mil amostras de crochê. Meu coração aprendeu nomes, decorou poemas e rostos, aprendeu cantigas. Brincou naquele coração das Dores do Indaiá. Rezei com mil vozes, cantei com mil violões, lá deixei pés de menina, pés de fada, pés de moça namoradeira, pés de mãe correndo atrás de sonhos dos meus filhos. Lá deixei mil passos de avó atrás de sonhos dos meus netos. Por isso, sempre acreditei que aquela praça era minha.

Mas não era. Alguém apagou minhas marcas na praça, Alguém desatou os laços que trancei, com fiapos de nuvens, com filigrana de raios de sol. Alguém fechou portas que eram minhas.

Ainda ontem passei por lá. Há pessoas novas na Casa Lacerda antiga. A alma e magia escaparam pelas portas escancaradas. Pintores passam tinta nova na alma antiga daquela casa. Viro o rosto para não ver ... É mais um laço desfeito na praça que eu pensei que era minha.

Acho outra porta: A casa das meninas. Salas nuas, quartos desamparados. Paredes sem alma. Procuro o coração daquela casa. Não o encontro. Outro laço que alguém desfez na minha praça.

Saio da casa antiga. Fecho portas e janelas, procuro os rostos queridos. A casa das meninas. Que até pensei que era minha. Olho a praça. A árvore secular está lá. }As mil janelas da casa me espiam com seus olhos de vidro.

Devagar, fecho a porta da rua. Aprisionei, lá dentro, aquelas salas, aqueles domingos, aqueles vultos.

Quando a chave range na porta, tenho a exata sensação de estar fechando a porta do mundo.

É. Eu sempre pensei que aquela praça era minha. Que a casa das meninas era minha. Tristemente, reconheço: só sou dona de saudades. Os laços não eram meus."

Crônica de Maria (Maria das Dores Caetano Guimarães).

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