LOGO AGORA...?


Minha amiga Maria Celina D'Araújo, historiadora brilhante, comentou hoje no Estadão o meu livro "Da Independência a Lula e Bolsonaro - dois séculos de política brasileira". Comentário denso e generoso, mas em dois pontos sou forçado a fazer-lhe alguns reparos. Celina caracteriza meu livro como um estudo "de combate", querendo com isso sugerir que é essencialmente partidário, carente de objetividade. Sou levado a crer que leu um pouco às pressas toda a reconstrução histórica, na qual combato, é certo, a historiografia brasileira, principalmente a marxista, por seu...partidarismo. Por seu manifesto viés ideológico, se preferem. No capítulo sobre os conflitos do período regencial, demonstro que tal historiografia chega a ser cômica, pois todos os autores se vêem obrigados a renegar no plano dos fatos as teses abstratas que tentam demonstrar. 

Para piorar as coisas, Celina questiona minha proposta parlamentarista parafraseando uma indagação jocosa de Luís Fernando Veríssimo: "parlamentarismo numa hora dessas?". Não farei a maldade de afirmar que ela prefere um não-parlamentarismo à maneira de Bolsonaro, mas o assunto requer tratamento sério. A indagação traz -me à mente um texto de Fukuyama, no qual o célebre ensaísta, assim como diversos cientistas políticos brasileiros, defendem que só se deve tentar implantar uma democracia após um longo período de Estado autoritário. Esquecem-se de que a democracia foi inventada justamente para equacionar os conflitos sociais com o mínimo possível de recurso à violência. Na hipótese de um Estado autoritário deixar de ser autoritário "naturalmente", quando não houver mais conflitos na sociedade, a democracia também se tornaria desnecessária. Dá-se o mesmo com o parlamentarismo. Se o presidencialismo assegurasse a estabilidade e a unidade programática que lhe são atribuídas, de fato, o parlamentarismo não seria  necessário. Aqui, vale a pena lembrar  que a solução alvitrada para a crise de 1961, quando uma ala militar pretendeu impedir a posse do vice (legitimamente eleito) João Goulart foi um semiparlamentarismo, semelhante ao sistema francês; e que, quando Jango finalmente conseguiu se "livrar" daquele sistema, em janeiro de 1963, seu governo durou só mais 14 meses.  

Fernando Collor, quando sentiu que não conseguia governar, pediu ao Congresso e à sociedade o debate de uma fórmula parlamentarista, que não prosperou em vista das acusações de corrupção contra ele que logo vieram à tona. A Constituinte de 1987-88 discutiu o parlamentarismo com os olhos fitos na longa experiência de governos militares que o Cone Sul acabara de superar. Outro dia, no próprio Estadão, demonstrei que a instabilidade foi endêmica mesmo durante o nosso ciclo de governos militares. Demonstração ainda melhor pode-se ter examinando a experiência argentina. Após os 10 anos da ditadura peronista, o país vizinho teve governos militares até a redemocratização em 1984, e estes, pasmem, tiveram uma duração média de 1 ano e seis meses! Resumindo: parlamentarismo numa hora dessas? Sim, claro. É o que devíamos ter feito desde há muito tempo.

Texto de Bolívar Lamounier. 

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