A INSUFICIÊNCIA DAS ELITES

Faz tempo que venho martelando a tecla dos riscos a que o Brasil estará exposto enquanto não conseguir pelo menos dobrar sua renda média anual por habitante. Não conseguir pelo menos dobrá-la é o que se chama estar aprisionado na “armadilha do baixo crescimento”. 

Num texto recente, fiz referência a um excelente livro publicado em 1994 pela Harvard Business School Press, intitulado THE WORLD IN 2020 – POWER, CULTURE AND PROSPERITY. Nas trezentas páginas do livro, há uma única referência ao Brasil e à Argentina. Transcrevo-a: “It is quite possible that a country  like  Argentina   will recover some of the ground that it has lost this century. It will not  regain the living standards which, in relative terms,  it had a hundred years ago – it is not going to be as rich as Northern Europe or the US – but it could enjoy a period of considerable prosperity, if only it can sustain a modicum of political stability. From a brutal economic point of view, it does not need to  achieve a full-western style democracy, but what it does need is competent and corruption-free administration. Brazil, with its even greater resources, could have an  extraordinary impact on the continent, given a decade of such government”.  

Observem que o livro aponta para um futuro que NÃO aconteceu, nem na Argentina nem no Brasil, no referido período de 26 anos. Tem tudo a ver com a tese que tenho aqui martelado: a de que, nos próximos 20 anos, não temos condições de superar o  ritmo medíocre de crescimento econômico e pior ainda de redistribuição da renda e de avanço educacional, científico e tecnológico  em que afundamos (a “armadilha do baixo crescimento”). Com o sistema político disfuncional, instável e corrupto de que dispomos, vamos seguir patinando no mesmo lugar, só que pior, com mais violência e araçatubas muito mais numerosas.  

Onde devemos buscar as causas dessa tragédia? O subtítulo do livro dá uma boa indicação: “power, culture and prosperity”, ou seja, a prosperity depende de dois grandes grupos de fatores, o poder e a cultura. 

Acontece que “poder” não é uma categoria que se reduza só à máquina de Estado, a forças militares e policiais e a boçais de todo tipo controlando as instituições legislativas, judiciais e administrativas. Ter eleições e através delas escolher os titulares de tais instituições é fundamental, mas não suficiente, diria mesmo totalmente insuficiente, se, subjacente às instituições, não tivermos  elites (no sentido neutro do termo, obviamente) que as ancorem, balizem e inspirem. No Brasil, o termo elite designa alguns milhares de indivíduos que se deram bem na vida particular, mas que não sentem responsabilidade alguma em relação ao país, que não interagem entre si em busca de soluções e, principalmente, que não falam. Um país no qual as elites não falam, não se manifestam, não expressam seus pontos de vista e preferências, é um país virtualmente carente de uma elite capaz de orientar o andamento dos negócios públicos.    

Em qualquer país, é possível distinguir três camadas sociais bem nítidas. A mais alta em renda e escolaridade (cerca de 20%) é aquela que, se quiser, compreenderá os problemas e poderá ajudar a resolvê-los. Poderá ajudar a melhorar a qualidade da vida pública. Fincará o pé no combate á corrupção. Na camada intermediária (digamos, 40%), não temos propriamente ricos, mas temos resource owners, quero dizer, pessoas que  percebem para que lado o vento está soprando, e podem recorrer a seus recursos (capacidade de ler um jornal, tempo disponível para conversar sobre questões públicas, reunir-se com amigos e vizinhos etc; tudo isso é “recurso” que pode ser utilizado para aumentar o alcance dos posicionamentos tomados pela camada superior). Os 40% mais baixos em renda e escolaridade são pobres demais para ajudar. Pedir a um pobre-diabo que sai de casa às 5:30 para o trabalho e chega de volta às 20:00, exausto, que contribua significativamente para melhorar o país, é pura demagogia.

O problema é que, para transformar os percentuais da população e os respectivos  recursos em poder político, é preciso ter cultura. Como já falei em escolaridade, é óbvio que não estou sendo redundante, dizendo a mesma coisa pela segunda vez. Não, cultura é um termo mais amplo, que emprego para designar as áreas de convergência e divergência existentes na sociedade, áreas que precisam ser conhecidas para que as elites falem realmente como elites. Faz trinta anos, mais ou menos, que tento abordar essa questão em meus trabalhos de pesquisa, mas esbarro num obstáculo invencível: a ignorância dos que poderiam patrociná-los. Ignorância sem fim. São indivíduos e entidades que não conseguem compreender estas duas afirmações elementares: 1) as instituições formais de governo não pairam no ar, acima de nossas cabeças, e nem conseguem agir como deveriam, sem a “cultura”, vale dizer, um balizamento mais amplo que as oriente; 2) para conhecer o substrato das instituições, ou seja, o que de fato as sustenta e baliza, é preciso estudar o assunto em profundidade, com  metodologias apropriadas.

Texto de Bolívar Lamounier. 

Comentários

MAIS LIDAS