UM RELATO SOBRE A GRIPE ESPANHOLA EM DORES DO INDAIÁ

Meu avô, Agenor Laureano da Silva, foi um roceiro, pedreiro e mestre de obras. Confrade Vicentino por 50 anos, homem de pouca escolaridade, porém muita inteligência. Nos últimos anos de sua vida escreveu dois cadernos com suas memórias. Neles vemos algumas pérolas da história de Dores do Indaiá, como o primeiro trem de ferro, o primeiro automóvel, a fábrica de banha, luz elétrica, construção da igrejinha tapuia, a revolução de 30, pescarias com bomba, o eclipse total, um tremor de terra... Dentre os capítulos de seus escritos, acho a gripe espanhola o mais interessante. 

Mais que a história de nossa família é a história de uma cidade.

A GRIPE ESPANHOLA

Por Agenor Laureano da Silva, 26/04/1917 a 14/11/1998.

"Quando eu estava na casa dos nove meses a população foi surpreendida com uma epidemia. Era a gripe espanhola, que diziam ter vindo da Espanha por causa de uma guerra. Isto começou em janeiro de 1918. Todo povo foi acometido por essa horrível doença. Nessa época a medicina nessas bandas era fraca. Não havia os antibióticos, não havia vacina de espécie alguma. O único médico que havia na cidade tinha morrido antes e o farmacêutico, que era o Tirá, tratava dos doentes. Só dava óleo de rícino e purgante de calomelano. Quem era rico e podia, ia tratar noutra cidade e às vezes escapava. E os pobres? Morriam todos. 

Nessa ocasião morreu o farmacêutico Tirá, morreu o escrivão, o padre quase vai – morreu o Presidente da Câmara, morreu o coveiro do cemitério e morreram diversas pessoas importantes na cidade. 

A gripe espanhola vinha forte. Febre de quarenta graus que desmaiava e dor de cabeça de rebentar. Caía na cama famílias inteiras, e às vezes todos eram achados pelos urubus. Ninguém podia socorrer ninguém. Às vezes morriam de sede por não ter quem lhe dessem água. 

Na minha casa caíram doentes, meu pai, minha mãe e eu ficava desmaiado na cama. O tio Licurgo com a família também adoeceram. Os vizinhos adoeceram. Nas bandas onde nós morávamos (Córrego das Condutas), só tinha um homem que não adoeceu por providência divina era o Joaquim Xavier, pai do João Xavier e do Manoel Xavier a quem eu convivi com eles. Este homem era o bom samaritano. Ia todos os dias na casa da vizinhança levar o socorro - levava remédios, óleo de rícino, calomelano e leite para os doentes. Leite que ele mesmo tirava nas fazendas, pois os vaqueiros e fazendeiros também estavam de cama. Este santo samaritano eu cheguei a conhecer. Ele era casado com uma sobrinha da minha mãe. Mais tarde ele morreu de derrame cerebral. Diziam que ele depois sofreu uma gripe mais leve e quando melhorou a fome era demais e comeu uma suã de porco cozida no arroz. Comeu muito. O meu tio Licurgo, quase foi, quando ganhou uma melhora, também comeu muito entrecosto de porco com arroz, porque devido no período da doença não se alimentou com quase nada. A pessoa ficava fraca e depois vinha uma fome danada e era a hora de facilitar e comer muito. Nessa ocasião, dizia meu pai, que choveu torrencialmente o mês de janeiro todo, as estradas precárias que havia quase acabaram. Só se via lama e enchente. Muitas pontes caíram e o pequeno transporte que ainda existia acabou e consequentemente esgotou o pequeno recurso que havia. Morreram centenas de pessoas. Defuntos eram levados nas carroças - únicos transporte do lugar - e eram enterrados aos montões.

Quando terminou este horrível surto, isso foi lá para abril ou maio, se via a pequena cidade de Dores do Indaiá, despovoada, faltava muita gente, muitas casas estavam fechadas porque morreram todos, vendas fechadas e lojas fechadas. Aos poucos foi se recuperando, porém ficou um ranço que perdura até os dias de hoje. 

Eu com a minha família salvamos. O tio Licurgo também salvou com a família. Mas o marido da tia Clarinda, foi deixando ela viúva com dois filhos.

Depois que passou a borrasca, voltaram todos ao trabalho. As plantações estavam no mato, porque no tempo da capina já estavam doentes, já havia passado a temporada do plantio do feijão. Com a graça de Deus as coisas foram normalizando. Eu sarei e comecei a engordar de novo e crescia."

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