MINEIRO NÃO CONSEGUE FICAR MUITO TEMPO LONGE

Mineiro adoece longe de sua terra. 

Adoece de saudade. De fatal saudade. 

Não é uma gripe, é saudade de doer o peito e encolher os ombros, de exigir uma cadeira para sentar tamanho o aperto no coração. Ele não anda fora dos trilhos de seu lar. 

Vai se sentindo esquisito, estranho, isolado quando é condicionado a morar em outro estado. 

Não há povo mais apegado ao torrão, no sentido físico, de precisar estar ali. 

Sente falta da rua que ele passou a infância, do bairro que ele memorizou as saídas, da cor do céu, das nuvens, das frutas e, em especial, do jeito afetuoso e protetor das pessoas. 

Até aguenta ficar um tempo afastado, para um trabalho, um curso, um romance, desde que seja com uma duração planejada e previsível. 

Pernambucano e gaúcho, por exemplo, são bairristas, mas levam as suas tradições sem sofrência para novas paragens. Continuam fazendo piadas em cordel, abusando na pimenta ou tomando chimarrão. Carregam a sua cultura para onde estiverem. 

Já o mineiro não. O maior patrimônio do mineiro é a família. Sem ela por perto, ele se desorienta. Nem cartas remediam, nem FaceTime diminui a angústia, nem telefonemas consertam a alma. 

Minha esposa, natural de Belo Horizonte, morou comigo dois anos em Porto Alegre. Acreditei que daria um alívio para enfrentar o luto de sua mãe. Raciocinei que criaria uma trégua para Beatriz não ter que lidar com as lembranças recentes, em carne viva: o clube, a igreja, a vizinhança, todo mundo perguntando como estava a sua mãe e ela tendo que explicar que ela havia falecido. Dia sim, dia não, ela repetia o convite de enterro para algum conhecido na rua

Mas a distância, em vez de fortalecê-la, apenas a enfraqueceu. 

Mesmo a mimando com serra e pampa, conduzindo a passeios inesquecíveis, oferecendo presentes, redecorando o ambiente, emprestando os amigos: o vazio crescia. Ela, de fato, nunca desfez as suas bagagens por dentro. 

Beatriz dependia de Minas mais do que eu dependia do Rio Grande do Sul. Eu suportava a lonjura, ela era a própria lonjura no olhar. Não que ela amasse Minas mais do eu amo o Rio Grande do Sul. Era um amor diferente. 

O amor para o mineiro com o seu chão é maternal, de colo e ventre. O amor do gaúcho com o seu rincão é paternal, de orgulho e estrada. 

Eu vi que ela ocupava grande parte de sua rotina fingindo que não embarcou em Confins. Mantinha o hábito de falar com as tias, o pai, os confidentes, como se eles estivessem a poucos quarteirões de sua voz. 

Compreendi que, ao perder a mãe, não poderia perder também a proximidade da família. Os chás de sexta, os encontros com seus grupos na quinta, a sua caminhada de sábado na avenida Bandeirantes, a sua natação nos fins das manhãs representavam a sua riqueza emocional. Apartada de seu local, vivia deserdada, dilapidada, órfã. 

O sotaque apresentava um papel fundamental para curar as suas dores. Não bastavam as palavras certas, elas deveriam ser ditas no dialeto de sua região, na quentura do convívio. 

Ao viajar, o mineiro ficará feliz ao comprar a passagem de volta.  Só com a data garantida de retorno será capaz de aproveitar a estada.

Ele é enraizado, como as majestosas e imperiais palmeiras na Praça da Liberdade, não consegue permanecer muito tempo longe de casa. Não ouse arrancá-lo de seu solo de ferro e fé. 

Texto de Fabrício Carpinejar, para o caderno Magazine do jornal O Tempo. 

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